O director de políticas públicas da organização não-governamental Comité para o Jubileu da Dívida (CJD), Tim Jones, defende que o Fundo Monetário Internacional devia ajudar Angola na reestruturação da dívida e criticou a utilização da ajuda das multilaterais para pagar aos privados.
“A ngola tem um enorme peso da dívida, incluindo a credores privados internacionais, e precisa de reestruturar significativamente essa dívida, mas receio que só vai fazer o mínimo dos mínimos para conseguir continuar a fazer os pagamentos”, disse Tim Jones em declarações à Lusa, na véspera da reunião dos ministros das finanças e banqueiros centrais do G20, onde a questão do alívio da dívida será central.
“O Fundo Monetário Internacional devia ajudar Angola na obtenção de uma grande redução da dívida por parte dos credores”, defendeu o director do departamento de políticas públicas do CJD, organização não-governamental (ONG) britânica que visa a redução do peso e a sustentabilidade da dívida nos países mais endividados.
As declarações de Tim Jones surgem no mesmo dia em que o CJD divulgou um relatório que afirma que há 11 mil milhões de dólares, cerca de 9,6 mil milhões de euros, de alívio de dívida dada pelas instituições financeiras multilaterais que está a servir para 28 países endividados conseguirem pagar aos credores privados, entre os quais estão os lusófonos Cabo Verde (32 milhões de dólares), Moçambique (309 milhões de dólares) e São Tomé e Príncipe (12 milhões de dólares).
Esta semana, o Instituto Financeiro Internacional (IFI), que representa os credores privados, confirmou que não houve qualquer pedido oficial de renegociação da dívida comercial por parte dos países mais endividados, o que parece sustentar a ideia de que os governos preferem não pedir um alívio da dívida privada devido ao receio de isso poder fazer descer os seus ‘ratings’ e com isso dificultar o acesso aos mercados, essencial para os investimentos pós-pandemia de Covid-19 e para a recuperação económica, cuja crise teve início e desenvolvimento acelerado muito antes da pandemia.
“Dos 77 países aos quais o FMI concordou em fazer empréstimos desde que a crise começou, o CJD identificou 28 que estão altamente endividados segundo as próprias métricas do FMI, e que estão a fazer pagamentos aos credores privados, mas segundo as suas próprias regras, o FMI não devia emprestar aos países com dívida insustentável a não ser que haja uma reestruturação da dívida, para que os seus recursos não sejam usados para fazer um ‘bail out’ [resgate] aos credores anteriores”, defendeu Tim Jones.
“Os países precisam urgentemente de mais dinheiro para lidar com a crise económica e sanitária causada pela Covid-19, mas sem reestruturações de dívida, os empréstimos do FMI aos países altamente endividados só servem para pagar aos credores privados, não dando ‘dinheiro fresco’ para o país, o dinheiro público devia ser usado para benefício público, neste caso ajudando os governos a lidarem com esta grande pandemia global, e não para lucro privado”, defendeu o economista.
O FMI, concluiu, “criticou, e bem, os credores privados por se recusarem a fazer parte da DSSI [Iniciativa de suspensão do serviço da dívida], mas tem de alinhar as palavras e os actos e ajudar os países a reestruturarem a dívida, em vez de dar dinheiro que garante que o pagamento de juros avultados continua a ser feito”.
Por outro lado, o economista-chefe da consultora Eaglestone considera que o risco de Angola ter de fazer uma nova revisão ao cenário macroeconómico “é bastante significativo” dada a incerteza na evolução da economia mundial.
“A nível da evolução do Produto Interno Bruto, o FMI espera já uma recessão de 4%, enquanto o Governo inscreveu 3,6% no orçamento, mas vivemos tempos muito incertos e os riscos de novos cortes em baixa às previsões económicas ainda são bastante significativos”, disse Tiago Dionísio.
Em entrevista à Lusa para comentar a nova proposta de orçamento aprovada esta semana em Luanda, o economista-chefe da consultora Eaglestone acrescentou que, por outro lado, “a previsão de 33 dólares por barril pode ser algo conservadora tendo em conta a evolução do preço do petróleo no primeiro semestre”, tendo o barril de Brent fechado a sessão de quinta-feira a valer mais de 43 dólares.
O corte na estimativa das receitas chega quase a 30%, principalmente devido à previsão de menores impostos cobrados às petrolíferas por via da redução da actividade de exploração e produção nos poços angolanos, o que obriga o Executivo de Luanda a ajustar também a previsão de despesa pública, notou o analista.
“A nível da contas públicas, o orçamento inclui um corte muito significativo de receitas, de 28,9% face à estimativa anterior, e isto reflecte acima de tudo a forte revisão em baixa da contribuição dos impostos do sector petrolífera, menos 47,1%, o que levou o Governo a inscrever um corte de 8,7% na despesa pública”, explicou o analista.
As despesas com os juros da dívida pública “vão levar um corte de 20,5% face ao orçamento inicial, o que poderá estar relacionado com o acordo a que Angola terá chegado com a China, de longe o seu maior credor, sobre uma moratória de três anos, o que vem aliviar um pouco a execução orçamental do Governo para este ano”.
No novo orçamento, continua, “houve um corte médio do preço do crude estimado para 2020 para 33 dólares, o que representa uma quebra de 40% face à estimativa inicial de 55 dólares, e por outro lado o orçamento inclui uma revisão em baixa de 10,7% da produção para este ano, o que reflecte também o mais recente acordo de corte da produção da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e dos seus parceiros, que implica que Angola terá de cortar a produção até final do ano e possivelmente em 2021 e 2022”, apontou o analista.
Tiago Dionísio salientou ainda que a nova previsão para a evolução do crescimento económica mostra a severidade da crise angolana: “A revisão do crescimento económico de 1,8% para -3,6% significa o quinto ano consecutivo de recessão, o mais longo e a pior recessão da história de Angola”, sublinhou.
A Assembleia Nacional aprovou na generalidade a proposta de Orçamento Geral do Estado (OGE) revisto para 2020 na quarta-feira.
Folha 8 com Lusa